segunda-feira, maio 31, 2004

O Império made in USA


Numa coleção de textos do século III d.C. denominada Corpus Hermeticum, cuja autoria se atribui ao mago Hermes Trismegisto, existe um conto que nos fala da origem dos povos. Segundo este conto, o deus grego Hermes aprisiona no corpo dos homens aos demiurgos, seres que haviam colaborado na criação do universo, como castigo por haver tentado rivalizar com o poder criador dos deuses. Assim, os demiurgos existentes nos homens se espalharam sobre os confins da Terra, falando línguas diferentes e buscando formas de vida separadas, dando origem aos povos. Referindo-se a essa lenda européia, o professor Anthony Pagden afirmou: “Depois de dividirem-se, os mais fortes começaram a dominar os mais fracos. Ali começaram os impérios”.

Igual a velha Inglaterra do século XIX, os EUA desde muito cedo compreenderam que era através do comercio a melhor maneira de dominar as riquezas e povos do planeta, ainda que não fosse esse o único caminho escolhido. Para o filósofo político italiano Antonio Negri, o Império atual é diametralmente distinto do imperialismo europeu e da expansão capitalista do passado. De maneira que, atualmente, um novo modelo imperial se impõe. Um imperialismo diferente daquele de 1898, quando ocuparam as Filipinas e expulsaram os espanhóis de Cuba e Porto Rico. Mesmo que tenhamos de concordar com a evidência de que sob o governo do Presidente Bush, os EUA mantêm como única política exterior à ideologia imperialista, devido a sua hegemonia econômica e militar.

A questão da necessidade dos EUA assumirem seu papel imperial, sem nenhum tipo de complexos e de maneira consciente, diante do fato de serem hoje em dia uma potência com poderes incomparáveis na história, assume o centro dos debates. Como afirma Xavier Batalla, para um enorme setor acadêmico nos EUA, o termo “imperialista” já não representa uma crítica, mas um elogio. As divergências entre as opiniões dos intelectuais americanos sobre a questão de assumir ou não a condição de império global partem do princípio de que os EUA possuem o dever de fazê-lo, ainda que não o tenham buscado, uma vez que é o único país com poder de fato para tanto, como adverte o professor da Universidade da Califórnia Marc Trachtenberg.

Para o historiador Eric Hobsbawm, os EUA buscaram a hegemonia desde o fim da II Guerra Mundial, e que com exceção da França, todo o Ocidente permitiu esse objetivo, por medo a então União Soviética. Segundo Vázquez Montalbán, uma vez que o “Império do Bem” ganhou a Guerra Fria, não existe mas a necessidade de dissimular a hegemonia.

Segundo Anthony Pagden, o atual vocábulo império procede da raiz latina imperium, que na antiguidade romana representava o poder supremo tanto de mando na guerra como do magistrado na sanção das leis. A principio como sinônimo de soberania, o vocábulo império passa a partir da época da república romana a ser empregado para se referir ao governo sobre vastos territórios. E agrega: A palavra “império” se converteu tanto em metáfora como na descrição de uma classe concreta de sociedade. Hoje se usa em geral como sinônimo de abuso, ainda que muitas vezes dourada de um tom de nostalgia. 'Império' sugere exploração sem piedade de povos em grande medida indefesos, menos complexos tecnologicamente, pela força dos avances técnicos de outros.

A historia nos ensina que a maioria dos impérios se converteu em sociedades cosmopolitas e universais com o passar dos tempos, além de adotarem medidas tolerantes diante da diversidade de culturas e credos que possa englobar, sendo assim, locais de favorecimento do desenvolvimento e a difusão do saber humano.

Por tanto, o século XXI começa de fato com os atentados de 11 de setembro e com a construção de uma nova ordem geopolítica, na qual o Império dos EUA estenderá suas asas de maneira explícita sobre o planeta, e Washington será a nova Roma. Entretanto, a política exterior americana transformou o mundo em um lugar mais perigoso, como afirmou a Anistia Internacional. Na condução de seu projeto imperial, afirma o professor Philip Golub, da Universidade de Paris, os EUA dedicarão o tempo hegemônico que lhes resta, seja qual seja, a construir muros ao redor da “cidadela” ocidental.

Enfim, só nos resta a pergunta definitiva, de quem será o papel de novos bárbaros? América Latina com a palavra, seguida pelo mundo árabe, e todos os demais povos infelizes do mundo pobre.

segunda-feira, maio 24, 2004

Encontro de gigantes


E chegamos na China. Com nove ministros, três presidentes de estatais e cinco governadores – entre estes o do Piauí -, em uma comitiva que juntos somam mais de 400 convidados, o Presidente Lula desembarcou na China, o futuro do capitalismo mundial no século XXI. Um encontro histórico entre os dois maiores e mais prósperos países da Ásia e da América Latina.

Como umas das prioridades da política exterior brasileira, a China responde ao desejo nacional de diversificar suas exportações, incrementando a quantidade de parceiros comerciais e fortalecendo a posição brasileira em foros internacionais frente aos países ricos, como nas reuniões da Organização Mundial do Comércio – OMC. O país inclusive declarou seu apoio à entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU.

Desde aquele longínquo 15 de agosto de 1974, momento em que restabelecemos relações diplomáticas com a China, nosso intercâmbio comercial só aumentou. O Brasil é favorecido na balança comercial entre os dois países em mais de dois bilhões de dólares, vendendo principalmente aos chineses a soja, minério de ferro e produtos de siderurgia. Onze acordos bilaterais já foram assinados e a comitiva de 400 empresários brasileiros tem em vista a assinatura de vários contratos que poderão render até o momento 4 bilhões de dólares ao país.

A China inaugurou em 1986 sua política econômica para a abertura aos investimentos externos e ao desenvolvimento, incentivando assim o livre comercio e a iniciativa privada. Por outro lado, essa abertura econômica, que pareceu a princípio enfraquecer a classe dirigente comunista, não foi acompanhada por um distensão política, pois em 1989 o regime massacrou a mais de 200 manifestantes desarmados e indefesos na Praça da Paz Celestial.

Entretanto, a China conseguiu algo realmente invejável, desde o ponto de vista do Brasil: em 10 anos elevou o padrão de vida de 270 milhões de pessoas, sendo que 65 milhões destas chegaram ao patamar de classe média, com poder aquisitivo suficiente para comprar carros, telefones celulares e assinar TV a cabo.

Com a aproximação ocorrida na gestão Nixon, em 1972, a China não enfrenta com os EUA uma nova Guerra Fria. Ao contrário, os EUA costumam fechar os olhos para as violações de direitos humanos na China - em nome do comércio internacional -, e apadrinhou a entrada do país em novembro de 2001 na Organização Mundial do Comércio - OMC.

E, por fim, deu no “Financial Times”, de Londres, que a aliança sino-brasileira representa uma ameaça à hegemonia comercial estadunidense. Parece que os ingleses não estão sabendo que chegou ao fim a doutrina do “América para os americanos”, como comprovou recentemente a invasão do capital europeu na América Latina.
Contudo, os alarmes disparados desde Londres em favor da hegemonia comercial estadunidense servem para saber exatamente de que lado do Atlântico estão os olhos ingleses, para a infelicidade dos parceiros da União Européia.

segunda-feira, maio 17, 2004

A tortura, os fins e os meios


Desde janeiro de 2004, as denúncias de maus-tratos a prisioneiros de guerra no Iraque eram do conhecimento dos generais que comandam a ocupação Ocidental no Iraque. Portanto, fotos de presos sendo torturados existiam e eram do conhecimento do oficialato superior. Entretanto, a reprovação mundial decorreu da exibição destas fotos no programa “60 Minutes II” do dia 28 de abril, da cadeia de televisão estadunidense CBS. Depois disso, a revista “New Yorker” as publicou e o jornal “Washington Post” exibiu outras com o mesmo impacto. As fotos somente foram publicadas porque os EUA são, sem sombra de dúvidas, a maior democracia do mundo, além de terem uma Carta Constitucional que garante o exercício das liberdades públicas, como por exemplo a liberdade de expressão.

Por outro lado, desde 11 de setembro de 2001 se debate nos EUA sobre o uso ou não de “pressão psicológica e força física”, isto é, tortura, no interrogatório dos presos da “guerra contra o terrorismo”. O precedente mundial sobre o uso oficial da tortura cabe ao estado de Israel, pois foi o único país do mundo a legalizar a tortura, entre 1987 e 1999. Em 1987, uma comissão presidida pelo juiz Moshe Landau elaborou uma relação de torturas permitidas no país – denominada então “força psicológica e física moderada” -, que teve vigência até sua revogação em 1999 pela Corte Suprema Israelense.

A prisão de Abu Ghraib foi uma espécie de Bastilha da ditadura de Saddam Hussein, local onde ele torturou e matou a oposição ao seu regime ditatorial. De maneira que esse lugar maldito continua a servir à tortura e a morte, tendo havido apenas uma troca de mãos, com a permanência do mesmo chicote. Mas não devemos esquecer que centenas de presos esperam na base americana de Guantánamo, Cuba, por mais de dois anos sem qualquer acusação formal.

Até agora, sete soldados foram acusados criminalmente e seis serão julgados por uma Corte Marcial, sendo a primeira com inicio para o dia 19 de maio próximo. Ademais, sete oficiais receberam reprimendas que fatalmente conduzirão ao encerramento de suas carreiras militares.

Creio que foi Hannah Arendt quem disse uma vez que o maior criminoso do Século XX era o cidadão comum, esse tipo de gente que não se espanta ou não quer se espantar com nada de mal que ocorra aos demais, a não ser que lhe afete de maneira direta. Esse tipo de gente que ao passar pela rua e ver alguém caído, vira o rosto de lado e segue seu caminho de indiferença e egoísmo. Essas pessoas que de tanto se preocuparem com elas mesmas, já não conseguem distinguir indiferença de assassinato, cobiça de ambição, corrupção de governo.

Na nossa província, recentemente tivemos nossas mãos queimadas pelas vidas dos seis menores mortos nas dependências do Estado. Quem matou os seis menores foi o Estado do Piauí, porque seus servidores mal remunerados e treinados são responsáveis pela custódia de pessoas miseráveis e presas, ainda que a moderna doutrina penal diga o que lhe pareça ser mais moderno. Então de que servem os pedidos de desculpas aos ouvidos de mães que tiveram seus filhos mortos? De que servem as promessas nunca cumpridas de diminuição de tanta desigualdade social?

De que servem as desculpas de Donald Rumsfeld ou de Tony Blair? De que serve assumir responsabilidades diante de um crime internacional? De que serve admitir o desrespeito as Convenções de Genebra?

Independente das Convenções de Genebra, os EUA ratificaram em 1997, embora com algumas ressalvas, a “Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes”, de 1984, que em seu artigo 1º conceitua a tortura como “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais , são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões”.

A quebra da ordem mundial e o desrespeito às normas de direito internacional seguirão os EUA como uma mácula indelével, sempre recordada quando nos momentos futuros que a história nos trouxer, nos depararmos com o fato de que a maior potência bélica e econômica do nosso tempo, perdeu a grande batalha da civilização contra si mesma.

terça-feira, maio 11, 2004

O fim da Guerra Fria na Europa


A Guerra Fria acaba de terminar na Europa. A afirmação pode parecer equivocada para muitos estudiosos de história e política, mas é pura verdade. A entrada de dez novos países da Europa Central e Oriental na União Européia no ultimo dia 1º de maio, a quinta e maior ampliação do clube europeu, representou o fim definitivo da Guerra Fria na Europa.

A entrada dos novos sócios europeus Lituânia, Letônia, Estónia, Polônia, Hungria, República Checa, Eslováquia, Eslovênia, Chipre e Malta representa o resgate de uma “dívida histórica”, pois desde que caiu o muro de Berlim há 15 anos, estes países se viram livres do domínio soviético e desejosos de retorno á família européia. Juntos, os dez novos parceiros europeus somam 20% da atual população da União Européia, e apenas 5% de seu PIB.

Naquele momento, em 1989, a União Européia estabeleceu fundos de modernização para estes países, exigindo-lhes para entrada no clube europeu: instituições estáveis que garantam a democracia, o estado de direito, os direitos humanos e o respeito às minorias; economia de mercado viável e capacidade de assumir as obrigações de uma união política, econômica e monetária.

As diferenças e as semelhanças entre os novos e velhos sócios do clube europeu são inúmeras. A renda media dos novos sócios representa tão somente 40% da renda media dos quinze países. Outro elemento de divergência é que em matéria de política internacional, estes países são propensos a apoiarem os EUA, e não a seguir o eixo Paris-Berlim. Porém, os recém chegados possuem muita coisa em comum com os sócios veteranos da União Européia. Em media, possuem 74 celulares a cada 100 habitantes, contra 78 dos sócios antigos; 31 computadores a cada 100 habitantes, contra 34 dos sócios veteranos. Além de que como muitos são herdeiros do “socialismo real”, possuem população com nível de educação alto.

Os problemas aportados pelos novos membros são muitos, a começar por uma velha conhecida dos brasileiros: a corrupção, que motiva preocupação na Letônia, Hungria e Polônia. A União Européia prevê o investimento de milhões de euros para controlar as novas fronteiras e impedir a imigração ilegal e o crime organizado.

Para usar o Euro como padrão monetário, ou seja, para participar também da União Econômica e Monetária – UME, os dez novos sócios terão que esperar de cinco a sete anos, tempo para cumpram as condições: déficit público abaixo de 3% do PIB, inflação não superior a 1,5 pontos da media dos três melhores países do bloco e a dívida pública não superior a 60% do PIB.

Os medos dos novos e antigos sócios também existem. De um lado, o medo de que sejam invadidos por uma enchente migratória - e sua mão de obra barata - fez com que fosse suprimida a liberdade de movimento e estabelecimento de trabalhadores dos novos sócios durante os próximos três anos, podendo esta medida ser prorrogável por mais dois ou quatro anos. Por outro lado, os novos países da União Européia, recém libertados do Império Soviético, temem a perda de suas identidades e soberanias sob o domínio de Bruxelas.

As instituições européias também sofrerão modificações com a entrada dos novos sócios, notadamente a Comissão Européia, o Conselho da União e o Parlamento Europeu, que terão seus números de representantes incrementados.

A nova Europa dos 25 sócios possui uma população de 455 milhões de habitantes e o domínio de 28% do PIB mundial. O salário médio atualmente na União Européia é de 22,20 euros por hora de trabalho, numa jornada laboral de 38 horas semanais.

Em 2007 entrarão Romênia e Bulgária, e a Croácia já sinalizou que deseja entrar no time europeu. Entretanto, o grande desafio desta verdadeira “Nova Europa” será decidido em dezembro deste ano, quando enfim decidirão sobre a entrada ou não do primeiro país não cristão do bloco, a Turquia.

segunda-feira, maio 03, 2004

Diretas Já - 20 anos


A exatos 20 anos era derrotada no Congresso Nacional a Emenda constitucional Dante Oliveira, que tentou restabelecer eleições diretas para Presidente do Brasil, que haviam sido suprimidas através do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, que criou o Colégio Eleitoral e instituiu a eleição presidencial indireta. Foi na madrugada do dia 25 para 26 de abril de 1984 e faltaram apenas 22 votos para aprovação.

Naquela época, seriam necessários 320 votos, ou seja, dois terços do Congresso Nacional para aprovar a Emenda. No entanto, apenas se obteve 298 votos a favor, 65 em contra e 3 abstenções. O partido do governo, o PDS, conseguiu manter ausentes 113 dos seus deputados. Mas, havia dissidências no PDS – considerado então o maior partido do Ocidente - e aproximadamente 100 deputados daquele partido apoiaram as Diretas Já.

Naquela quarta-feira, 25 de abril de 1984, o Comandante Militar do Planalto, general Newton Cruz, havia suspendido o cerco de Brasília que até então fora mantido, denominado oficialmente de “medidas de emergência”.

A Campanha pelas “Diretas Já” foi um acontecimento importante na história política brasileira, porque levou milhões de pessoas às praças públicas, sacudindo a opinião pública e tirando as pessoas da letargia em que se encontravam, todos a uma só voz clamando pelo retorno da Democracia.

Dante de Oliveira era um jovem deputado de 32 anos, em seu primeiro mandato, e apresentou sua famosa emenda constitucional no dia 2 de março de 1983, aquele que foi o primeiro projeto apresentado naquela legislatura, levava a firma de 176 deputados e 23 senadores.

O primeiro comício das “Diretas Já” reuniu oito mil pessoas em 15 de junho de 1983, na cidade de Goiânia. Em recente entrevista, Dante de Oliveira esclarece: “Há uma discussão sobre o primeiro comício. Alguns dizem que foi o do Pacaembu, promovido pelo PT, mas foi em 27 de novembro, dia da morte do Teotônio. Os primeiros foram em junho, organizados pelo PMDB em Goiânia, depois teve um no Pará e outro no Piauí. Vinha um clima de comício, mas nenhum grande como os do início de 1984”.

Durante o ano de 1984, a campanha só cresceu: 30 mil pessoas em Curitiba no dia 12 de janeiro; mais de 40 mil pessoas em Londrina, em 2 de abril; 1 milhão no Rio de Janeiro, dia 10 de abril; 1,7 milhão em São Paulo no comício de 16 de abril.

O Senador Pedro Simon, criador do lema “Diretas Já”, revelou que naquele momento houve uma proposta do governo, através do chefe da Casa Civil Leitão de Abreu, pela qual o governo aceitaria a convocação de eleições diretas para a Presidência da República, se fosse prorrogado por dois anos o mandato do então presidente João Figueiredo. A denominada “Emenda Figueiredo” apenas encontro simpatia em Leonel Brizola.

Grandes nomes da política brasileira desfilaram pelos palanques das Diretas: Tancredo Neves, Franco Montoro, Roberto Freire, Leonel Brizola, Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso e Luis Ignácio Lula da Silva. O senador Teotônio Vilela morreu em novembro de 1983. Entretanto, estava presente na musica tema da campanha “Menestrel das Alagoas”, uma composição de Milton Nascimento e Fernando Brant, interpretada pela Fafá de Belém, a grande musa das Diretas juntamente com a atriz Christiane Torloni. A música “Coração de estudante” também recorda muito essa época. Aureliano Chaves, então vice-Presidente, apoiou a campanha.

Mas não há dúvida alguma em afirmar que o grande nome da campanha foi o “Senhor Diretas”, o deputado do PMDB paulista Ulisses Guimarães, que durante 22 meses percorreu todo o país promovendo a Emenda das Diretas e solidificando seu nome como potencial candidato a presidente.

A caravana das “Diretas Já” passou por Teresina no dia 15 de fevereiro de 1984. Depois de serem ovacionados na frente do Palácio de Karnak, os grandes nomes da política nacional foram para o grande comício que ocorreu na Praça Marquês de Paranaguá para 25 mil pessoas. Aureliano Chaves, então vice-Presidente estava em Teresina, pedindo votos dos convencionais do PDS para sua candidatura no Colégio Eleitoral. Convidado por Ulisses Guimarães para comparecer ao comício na Praça do Marquês, esse não aceitou o convite, mesmo declarando-se favorável à Campanha das Diretas Já.

O livro Diretas Já - Quinze meses que abalaram a ditadura, escrito por Dante de Oliveira e o ex-deputado federal Domingos Leonelli, revela o que passou em Teresina naquela noite, nas palavras do jornalista Ruy Sampaio: “A presença de Aureliano na cidade e a notícia de que ele havia sido convocado para voltar a Brasília às pressas tornavam o clima tenso em Teresina. Durante a madrugada, Ulysses ligou para Tancredo Neves para saber como estava o clima na capital federal. Tancredo sabia que seu telefone fora grampeado e se limitava a ouvir o que Ulysses dizia. Quando falava era para dizer que não sabia de nada, despistando. E procurou mudar de assunto: ''Como está o tempo aí em Teresina, Ulysses? Você levou calção? Aí tem praias ótimas''. A praia mais próxima a Teresina fica a pelo menos 100km. A ligação entrou para o folclore político nacional”.

Foi a partir da Campanha das Diretas que a minha geração começou a acompanhar a política nacional. Ainda lembro que fui ao comício na Praça do Marquês. E gritei com toda a praça: ''um, dois, três, quatro, cinco, mil, quero votar para presidente do Brasil''. Naquela noite, voltei pra casa com a Tribuna Operária debaixo do braço, que foi tomada pelo meu pai quando botei o pé em casa, seguindo de um sermão pra ninguém botar defeito.

Mas o que mais me lembro daquele longínquo 1984 era que eu cursava a 8ª série do Ginásio no Diocesano, e comprei uma camiseta onde estava escrito: “Eu quero votar pra Presidente”. E foi com ela que me expulsaram do gol do time de futebol da minha sala, naquele ano em que eles foram os campeões. O padre Ângelo me distraiu perguntando sobre a camiseta e a outra equipe aproveitou pra marcar um gol, nada mais bater o centro. Nunca o perdoei, nunca recebi minha medalha e somente fui votar pra Presidente em 1989.

A grande herança da Campanha das “Diretas Já” foi à vitória do candidato da oposição à Presidência, Tancredo Neves, no Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985. E a certeza que o caminho se faz caminhando.